Para vários advogados, o Projeto de Lei 4.302/98, que regulamenta a terceirização no país (incluindo o serviço público), é inconstitucional e será questionado pelo Supremo Tribunal Federal (STF) caso seja aprovado no Congresso. O anúncio feito recentemente pelo presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia (PMDB-RJ), de que, em sintonia com as pretensões de reforma trabalhistas do governo federal, pretende colocar em votação no Plenário da Casa ainda este mês o Projeto de Lei 4.302/98, que regulamenta a terceirização no país, acendeu um alerta no mundo dos concursos.
Isso porque a proposta amplia a terceirização, liberando a modalidade inclusive nas chamadas atividades-fim, o que para alguns é visto como um risco à realização de concursos públicos. Muitos sindicalistas, advogados e concurseiros já demonstraram total repúdio ao projeto e prometem fazer pressão pelo seu arquivamento ou que a matéria se limite apenas à iniciativa privada.
O presidente da Confederação dos Servidores Públicos do Brasil (CSPB), João Domingos, classificou com um equívoco, improvisação e oportunismo a intenção de votar a matéria. "Esse projeto foi abandonado no governo Fernando Henrique Cardoso, exatamente porque convencemos governo e Congresso da época, que não se pode tratar privatização dos setores público e privado como se fosse um mesmo ambiente", disse.
Domingos afirmou que a CSPB está propondo a junção do PL 4302/98 - que, se aprovado, já segue para a sanção presidencial - com o Projeto de Lei da Câmara 30/15, que tramita no Senado Federal. "Esse foi discutido amplamente com todas as partes envolvidas. O principal aspecto desta junção é a retirada do setor público, como está no PLC 30, que seria regulamentado em projeto separado", explicou. Segundo ele, caso a negociação não prospere a entidade irá buscar os meios judiciais e, sobretudo, mobilizar os servidores contra a medida.
Entre outros argumentos contra a terceirização irrestrita no serviço público, o presidente da CSPB destacou que ela baixa a qualidade dos serviços, na medida em que não são prestados por profissionais especializados, selecionados por concurso; precariza o emprego, ao impor uma alta rotatividade, com o parâmetro exclusivo de diminuir os custos com pessoal.
Ele ainda questionou o argumento de menor custo para a administração. "Como é mais barato se um trabalhador terceirizado custa para o Estado até cinco vezes mais, apesar do trabalhador terceirizado ganhar menos que o contratado diretamente?". E completou: "Para onde vai essa diferença? As terceirizações são é mais confortável e segura porta de entrada da corrupção no setor público", disse.
Na avaliação do advogado da União Marcus Bittencourt, a proposta é inconstitucional, tendo em vista o que prevê o Aartigo 37 da Constituição Federal. "Viola o principio constitucional do concurso publico. A investidura em cargo ou emprego publico depende de prévia aprovação em concurso", afirmou.
Especialista aponta prejuízo ao mérito
O jurista acredita ainda que outros princípios também serão violados, como os da impessoalidade, moralidade e eficiência. "Não haverá mais o sistema de mérito que é o processo do concurso publico." Já o advogado Leandro Mello Frota, membro do Fórum Permanente de Direito Constitucional da Escola de Magistratura do Estado do Rio de Janeiro, acredita que o projeto será questionado no Supremo Tribunal Federal (STF) e colocou em dúvida as reais motivações da proposta. "O problema do nosso parlamento é sempre utilizar uma lei em benefício próprio. Geralmente esses projetos são propostos com intenções ocultas", observou. Para ele, a sociedade vai ter a obrigação de fiscalizar. "Nenhuma lei pode ser criada para destruir o ordenamento jurídico vigente".
Outro especialista ouvido pela FOLHA DIRIGIDA, o advogado trabalhista Leandro Antunes avaliou que, caso o projeto seja aprovado, além de uma diminuição dos concursos, poderá levar a uma precarização das relações trabalhistas dentro da administração pública. Outra consequência vislumbrada pelo jurista é a possibilidade de muitas pessoas ingressarem no serviço público por intermédio de padrinhos políticos. "Em caso de aprovação, acho que a população cada vez mais vai ter que exercer sua vontade política para efetivamente mostrar que ninguém vai estar satisfeito com isso."
FOLHA DIRIGIDA não conseguiu falar com o relator do PL 4302/98, deputado Laércio Oliveria, até o fechamento desta edição. Segundo membros da equipe do deputado, no entanto, o texto do projeto é bastante enxuto, não prevendo situação específicas. Porém, no serviço público, a terceirização seria limitada, entre outros dispositivos legais, pela própria Constituição.
"Com certeza, o projeto é inconstitucional", diz procurador
Para o procurador do trabalho (licenciado) da 6ª Região (Pernambuco) e vice-presidente da Associação Nacional de Proteção e Apoio aos Concursos (Anpac), Renato Saraiva, o Projeto de Lei nº4.302/1988, que permite a ampliação do trabalho terceirizado no Brasil, é inconstitucional, por se estender ao serviço público e não se limitar apenas à iniciativa privada.
Renato Saraiva lembra que a Constituição Federal, em seu Artigo 37, estabelece que o ingresso de pessoal no serviço público tem que ser feito exclusivamente por concurso, ainda mais em atividades-fim. Apesar de acreditar que os parlametares serão alertados quanto à inconstitucionalidade do projeto, ele garantiu que a Anpac ingressará com uma ação direta de inconsticionalidade (Adin) caso ele seja aprovado no Congresso Nacional. Veja entrevista:
Na sua opinião, o Projeto de Lei nº4.302/1998, que permite a terceirização em atividades-fim do serviço público, é inscontistucional?
Com certeza o projeto é inconstitucional, porque a Constituição determina, no Art. 37, que o acesso ao serviço público seja feito por concurso público. Ao admitir a terceirização, no âmbito da Administração Pública, a terceirização indicada é o fim do concurso público para a Administração Pública. Os prefeitos, governadores, por exemplo, poderiam não mais realizar concursos públicos.
Se for aprovado, poderemos dizer que seria uma aberração jurídica?
Seria. Inclusive, eu sou vice-presidente da Anpac e nós pretendemos, se for aprovado, o que eu acho difícil, ingressar com uma ação direta de inconsticionalidade (Adin) frente a este absurdo.
O senhor disse que acha difícil ser aprovado. Acredita que os parlamentares terão bom senso?
Eu acho que é difícil ser aprovado porque a pressão popular será muito grande, principalmente daqueles que confiam na regra do concurso público. Então, eu acho que os deputados serão alertados, quanto à inscontitucionalidade, e avisados que, caso aprovem, o Supremo derrubará a matéria e essa medida de terceirização ilimitada na administração pública será retirada. Não tem como prosperar, a não ser que fosse via emenda constitucional, o que não é o caso.
Quais seriam os prejuízos para o serviço público caso fosse aprovado?
A primeira consequência seria a perda da qualidade. Quando você terceiriza, terceiriza para qualquer um, e segundo que o apadrinhamento político será cada vez mais utilizado. Ou seja, o prefeito, governador, administrador público pode pedir votos oferecendo emprego, certamente sendo utilizado nas eleições como barganha. Sem falar que diretamente eles poderiam colocar a família, amigos, e pessoas que garantiriam sua manutenção no cargo. É um retrocesso muito grande e duvido muito que passe.
Mas, se for de fato aprovado, o senhor acredita que deveria ser, pelo menos, excluir a terceirização no serviço público?
Sem dúvidas. A parte de terceirização ilimitada no serviço público tem que ser retirada porque isso atenta contra a regra do concurso público. Se isso for aprovado, o Supremo declarará inconstitucional.
Quanto às relações de trabalho, como essas poderiam ser afetadas caso fosse aprovado esse projeto?
As relações de trabalho se afetam porque você não teria mais pessoas preparadas, competentes. Os concursos estão cada vez mais difíceis, então quando o candidato passa, podemos ter certeza que ele é qualificado, preparado, e com a terceirização você não tem essa garantia. E a população é quem sofrerá com isso.
Por: Anderson Borges - anderson.borges@folhadirigida.com.br
FONTE: FOLHA DIRIGIDA
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